Ex-professor de educação física, Renato Piaba ganha a vida ensinando as pessoas a rirem dos próprios dilemas sexuais
Pablo Reis (pabloreis@gmail.com)
Renato Lacerda de Alcântara tem 49 anos, dois filhos e diploma de nível superior em Educação Física. Renato Piaba, que muitos confundem com a mesma pessoa, não tem uma idade definida (pode demonstrar a impetuosidade de um adolescente, dizer palavras sábias como um senil guru, ou reagir com a pilhéria típica de um garoto irreverente), não tem sexo e muito menos pudores para bradar alguma obscenidade. Ultimamente, esse lado B do ex-professor de academia ora é um pai-de-santo afetado, ora é um putão de São Caetano ou até mesmo uma cópia de Rita Cadilac, incorporando cada um com uma naturalidade de fazer inveja a qualquer médium.
Tanta metamorfose tem um bom motivo. Há quatro semanas com um novo show em cartaz, Piaba garante que está fazendo sua parte para que homens e mulheres conheçam um pouco dos ardis alheios. Em outras palavras, ele utiliza tudo como pretexto para colocar em cena o binômio de maior aceitação por essas bandas: riso e sexo. Tem dado certo. A lotação esgotada nas três sessões semanais há um mês é o que faz o comediante rir à toa. “É minha resposta aos críticos e às pessoas da sociedade que diziam que ir em meu show era o mesmo que ficar ouvindo só putaria. Demorou para o povo compreender minha arte, mas hoje sinto o que é sucesso”, devolve.
Ao admitir que está no auge, Piaba mostra que não tem problemas com megalomania. “Quero atingir o máximo sempre, não tenho limite. E com esse show eu vou ganhar o Brasil inteiro e penso até em atingir o mercado internacional, fazendo apresentações para brasileiros em Miami”, planeja o bacharel em educação física que alega ter mudado de profissão justamente no melhor momento: quando tinha atingido o status de ser um dos 10 mais bem pagos professores da Bahia. “Minha vida é uma eterna mutação, mas agora acho que estou no ciclo mais verdadeiro, que é o de ator, porque tenho a alma pura”.
Também já foi velejador do Yacht Club da Bahia, com uma coleção de troféus e medalhas. Só que o pódio para ele tinha que ser em algo que o elevasse à categoria de artista. Com um timing peculiar para provocar gargalhadas coletivas e expressões tipicamente suburbanas, ele montou seu show batizado de intimidades.com. “É porque falo de assuntos que dizem respeito a todos, principalmente sobre a insatisfação das mulheres. Descobri muito sobre esse tema fazendo pesquisa na internet”, despista.
Ele incrementou sua criação baseada no gênero standup comedy (um monólogo inspirado nas produções dos grandes comediantes americanos) usando a interação com a mídia, principalmente as imagens bem disseminadas dos apresentadores Kátia Guzzo e Casemiro Neto, da TV Bahia. Eles fazem participações especiais gravadas, no papel deles mesmos como se estivessem consultando o especialista Piaba, um terapeuta sexual do riso.
Desventuras amorosas
Muitas vezes, usa como principal argumento as próprias desventuras amorosas, embora não admita. Apenas em uma situação, ele reconhece sua condição de protagonista desastrado. Era na época de vacas magras e clientes de pernas torneadas, quando dava aulas de aeróbica em uma academia, no papel de professor de educação física. Encantou-se por uma “criatura toda gos-to-sa” e arrumou um pretexto para convidar para o quarto-e-sala que tinha na Avenida Paulo VI (“sonho de pobre é morar na Pituba e depois no Taigara, pobre chama de Taigara”).
Fez o convite de uma maneira irrecusável: propôs um almoço cujo prato principal seria uma moqueca de camarão. “Se você convida para comer um macarrão, um feijão com arroz, mulher rejeita na hora. Mas basta falar em camarão que tudo fica certo”, ensina. E na trilha de conselhos infalíveis para se dar bem, ele recomenda um novo design de interiores para não correr riscos de ver as intenções abatedoras frustradas. “Se a mulher resolver sentar no sofá da sala, vai ficar ali o tempo todo, dificilmente ela vai aceitar ir até o quarto. Então, a solução é colocar todos os móveis na suíte”, aposta.
A vítima em potencial perguntou logo se ele estava de mudança, mas Piaba apenas garantiu que era adepto de modelos exóticos de decoração e tinha colocado tudo dentro do quarto. Conseguiu leva-la para a cama (no bom sentido, apenas sentada) e a história que teria tudo para se encaminhar para um final, digamos, prazeroso, terminou resultando em mais um cômica deleite para seus fãs, que é bem melhor encenado no palco do que descrito em uma reportagem. Só em conversas privadas, ele confessa que a convidada terminou virando sua esposa.
Coisas holísticas
Na hora da cantada, por exemplo, Piaba entrega que o homem fica apenas arrumando assunto para tentar disfarçar o único desejo, que é o de conduzir a vítima para sua alcova. E nesse objetivo vale adotar qualquer estratégia. “Toda mulher gosta de ser chamada de ícone”, ensina, sem perder o jeito debochado. “Falar de coisas holísticas também é legal”, explica ele, dizendo que todo esse papo meloso não passa de uma forma de esconder um único pensamento masculino nesse jantar. “Vou te cortar toda, em 70 bandas”, é o que mentalizam os homens, e eles não estão necessariamente pensando em picar o conteúdo do prato de comida.
No meio do espetáculo, um pretexto para louvar a imagem de Nossa Senhora. Seria uma contradição para alguém tão dedicado a picardias e lascívia, mas Piaba é um devoto da santa. “Podem me criticar, mas vi que aquele era o momento para fazer uma homenagem por todas as coisas que tenho conquistado”.
São 12 anos de carreira de um artista prestes a virar um cinquentão. É daqueles que se destacavam fazendo graça ainda na juventude e depois resolveu investir na veia cômica nas aulas de academia e em festas de comissários de blocos de carnaval. Piaba já foi diretor de bloco (“consegui juntar Asa de Águia e Chiclete com Banana no mesmo bloco”), antes de começar o seu carnaval particular de Traumas e Risos (nome de uma de suas peças).
O diretor Fernando Guerreiro apostou pela primeira vez no ator, incluindo no elenco da peça Salve-se quem puder. Convencido de que seu lugar era o palco, Piaba também Traído, mas quem não é? Depois, inspirado pelo filme Forrest Gump, com Tom Hanks, estrelou O Contador de Estórias, valorizando as cenas do cotidiano. Lançou o personagem Doutor Piaba e também atacou de político quando, em setembro de 2002, colocou o cartaz Piaba para Presidente. Não era mais uma anedota, e sim o nome do show.
Uma inovação e tanto foi colocar um trio elétrico humorístico no carnaval de Salvador, o Piabão. Há quatro anos, insiste com a idéia e planeja montar no circuito Barra-Ondina um palco fixo, dedicado ao humor. “Vai ser específico para aquele cara que chega na festa e diz: hoje, tô a fim de encher a cara dando risada com aquele sacana”.
Minutos antes de começar uma aula de musculação (agora mais como aluno do que como professor), ele reflete sobre sua condição, como se faltasse pouco para atingir os maiores anseios profissionais. “Sucesso é o momento certo, na hora certa. E Deus abençoando toda essa orquestra”, define ele. Dois segundos depois, dá-se conta do que acabou de falar de uma forma bem inusitada. “PQP, que frase da porra. Isso dá uma música na mão de Caetano”, vibra. Consideração bem típica de Piaba. Ou será de Renato Lacerda de Alcântara, 49 anos, pai de dois filhos e dono de uma auto-estima que parece até piada?
*Reportagem produzida em 2007