Há 16 anos, resolveu montar o ponto de caldo de cana, depois de ser pedreiro, ambulante, porteiro. Dez anos atrás, começou a imaginar músicas, a partir de situações onde faz malabarismos para encaixar duplo sentido, e descobriu a grande vocação, compondo forró, arrocha, reggae, pagode romântico.
Com algum ritmo mental e boa vontade, dá para imaginar a audição dessa letra entoada em um arranjo pé de serra:
Eu sou o caldo com limão/ Me chamam de caldo/ Você não sabe meu nome/ Digo agora quem eu sou/ Sou o mestre cuca/ Que você não conheceu/ Me chamam caldo com limão/ Na verdade Seu Cuca é eu / Seu Cuca é eu/ Seu Cuca é eu/ Sou o Mestre Cuca que você não conheceu.
Está revelando agora que o ídolo é Gilberto Gil pela inventividade e sonoridade, quando um cliente chega pedindo um “suco diet”. Não se sabe se é possível ser dietético um produto que oferece 400 calorias em meio litro. Mas o consumidor não pensava na balança, queria era um preço enxuto, magrinho. Ao invés dos R$ 3, preferia uma porção pela qual pagasse R$ 1.
“Falô, velhô”, é geralmente a saudação que Caldo usa nesta e em outras situações. Se for alguém mais próximo, aproveita para mostrar o caderno com mais de 100 letras inéditas rabiscadas.
Toma merilu, toma merilu/ Você não gosta de café/ Gosta de tomate cru/ Salada de tomate faz a pele endurecer/ Tem vitamina e te faz emagrecer/ Café é muito bom/ Toma aqui, toma no norte/ Gosta de tomar na máquina, o coado é mais forte.
“A cada 10 pessoas que eu canto a música é 100% de aceitação”, contabiliza Caldo, falando sobre este que parece ser seu sucesso unânime.
Certa vez, Caldo com Limão mandou fazer uma faixa, alugou umas caixas de som, aprontou o teclado e convidou todos os clientes para uma gravação marcada por uma emissora de televisão. A produção do programa cancelou com dois dias de antecedência, quando já não dava para desfazer o anúncio que ficou exposto por três semanas, nem os pedidos empolgados feitos para garantir mais público. Enfim, não dava mais para apagar a certeza que aquela participação na TV seria a primeira golada na nutritiva vitamina do reconhecimento.
Caldo manteve a programação, já que o carreto para os equipamentos tinha sido pago, e fez um show no seu ponto, ao lado do Clube dos Empregados da Petrobras. Naquele dia, foi artista em tempo integral, só que os aplausos custaram todo o lucro normal de um sábado, já que cantor e compositor em ação não consegue moer cana para fazer o dinheiro líquido e certo.
O público ficou tão satisfeito com a música quanto fica com aquele suco marrom-acinzentado, um exagero de doce, resfriado por gelo que toma um terço do copo. Ninguém ousou descrer do seu sonho de ribalta. Aliás, é muito raro alguém duvidar do sucesso artístico de Caldo com Limão. Quando isso acontece, ele opta por sorrir. É assim que todo mundo supõe que é feliz.
*Publicado originalmente no projeto Humanos de Salvador.