Facebook: tenha medo

(o texto a seguir foi construído com linguagem didática, outra forma de dizer simplória. A única tentativa é fazer os leitores pensarem nas seguintes questões:

– Você se sentiria segura estando seguida e fotografada em um passeio pelo shopping?

– Acharia justo se de repente um desconhecido confiscasse seu álbum de casamento, do nascimento do 1° filho e as fotos do animal de estimação?

– Reagiria bem ao saber que suas ligações telefônicas são todas ouvidas e gravadas?

– Ficaria confortável ao saber que alguém está constantemente monitorando e avaliando seu grau de relação com outras pessoas?

– Acharia correto alguém ganhar muito dinheiro com tudo que você faz, o que pensa e o que gosta, sem repassar nada a você?

Isso está acontecendo contigo e com mais 1 bilhão de pessoas no planeta. Mas ninguém parece ter medo do facebook)

Pablo Reis* (pabloreis@gmail.com)

Você acha que seria razoável embolsar uma quantia por cada vitrine que olhasse? Talvez? Não? Hein… algo impensável, um delírio, fantasia. Mas já tem gente mais esperta que enriqueceu justamente com isso, ganhando dinheiro a cada vez que você se interessa por algum produto, mesmo que não compre. O Facebook recebe cerca de 1 dólar/mês por cada pessoa que “curte” uma página de uma grande empresa. Parece pouco, menos que uma esmola ou trocado para o guardador de carro? E se você sabe que a página Apple tem 6 milhões de curtidores, a Apple Store tem 3,5 milhões e a Apple em língua espanhola tem 1,7 milhão? Vai continuar achando pouco que apenas esta empresa deposite por mês 11 milhões de dólares para os cofres do Facebook, a gigante que, literalmente, vai estar sempre no azul?

A “invenção” não é sequer recente. Desde 2005, isso vem sendo feito. E não é boato, corrente de internet baseada em nada. Está no livro O Efeito Facebook, pág 155. É uma obra bem distante de ser uma biografia não autorizada como Bilionários por Acaso, de Ben Mezrich, que deu origem ao filme A Rede Social. Pelo contrário, o volume traça a trajetória da empresa sempre de forma otimista, dando ares de desbravador heróico a um dos fundadores, Mark Zuckerberg.

Agora, você está se perguntando: e por que eu não ganho nada com isso? Porque a política da empresa é de que o serviço proporcionado ao usuário já é um benefício impagável. O que você tem direito é à “experiência”, enquanto eles extraem formas inovadoras de lucrar com sua participação. Ou, em termos que são usados internamente, a chance de “monetizar” cada clique que você dá. E eles estão sempre aprimorando com novidades, o que, a outros olhos, significa criar mecanismos cada vez mais eficazes de te levar, espontaneamente, a fornecer mais e mais informações sobre si mesmo para alimentar os vorazes bancos de dados.Imagem

Você nunca se perguntou o motivo de empresas serem sugeridas a você regularmente? Algumas realmente combinam com seus hábitos de vida e de consumo? Acredite que não é mera coincidência ou um passe de mágica. Os servidores do Facebook são máquinas programadas para obter e gravar todo tipo de movimentação interna: perfis que você visita, páginas que conhece (mesmo que você não clique em nada e ache que não está deixando rastros). A partir daí, os computadores vão cruzando os dados e obtendo um raio-X tão mais completo quanto mais você usa o sistema.

Ah, mas você já sabia disso tudo? Tudo bem, só que certamente nunca foi informado que eles continuam te espionando mesmo quando você deixou (#partiu/ logoff) as páginas azulzinhas. Teoria da conspiração? De forma alguma, o procedimento é todo detalhado na página 156 do mesmo livro O Efeito Facebook. Ele fica um pouco disfarçado com o nome “cookie”, mas não tem nada de doce ou inofensivo, como sugere.

Pequenas peças de software chamadas ´cookies´ são instaladas nos navegadores dos consumidores que usam a internet. Elas podem saber, por exemplo, que uma pessoa tem visitado os tipos de site que uma garota de 20 anos de idade visitaria ou que comprou música pop online.

A tática começou a ser usada no site por volta de 2005, quando o Facebook foi bem remunerado pela gravadora Interscope Records para divulgar a música Hollaback Girl para um segmento muito específico de animadoras de torcida de futebol americano nos Estados Unidos. O site tinha muitos dados sobre os gostos e comportamentos de algumas centenas, talvez milhares, de cheerleaders. A canção foi oferecida a elas de uma forma sutil, como se as jovens a tivessem encontrado aleatoriamente e não do jeito que realmente aconteceu: uma ação de marketing que praticamente impunha um novo sucesso na praça. A estratégia se mostrou muito bem sucedida e, em pouco tempo, a carreira solo da cantora Gwen Stefani, autora do single, deslanchou.

Tudo gravado

Agora, e no mundo real, se todos os seus passos em shopping center, as lojas que visitou, quanto gastou, com quem estava, o que comeu, fossem monitorados e vendidos para qualquer pessoa disposta a pagar, o que você acharia? Se sentiria seguro? Voltaria naquele shopping? Processaria por invasão de privacidade? Acharia que as coisas estão realmente estranhas, como George Orwell previu com o Grande Irmão?

Isso está acontecendo diariamente só que mesmo assim ninguém parece ter medo do Facebook. Algumas pessoas, muito poucas em comparação ao bilhão de usuários que é sempre divulgado, já pensaram nisso antes de mim e de você. Elas ficaram muito preocupadas quando alcançaram essa linha de raciocínio. Imediatamente, alguns resolveram cancelar suas contas, achando que apagariam aquele esboço de biografia privada que deixaram de mão beijada para nerds de internet que eles nunca veriam pessoalmente. Um grupo menor ainda do que esse, depois de um tempo, desistiu mas resolveu voltar. Os integrantes deste conjunto se surpreenderam ao ver que o login e a senha ainda funcionavam, mesmo depois de um ano, e – mais impressionante – todas as informações, fotos, comentários, permaneciam por lá (mesmo que não pudessem ser vistos pelo público).

Houve quem exigisse que tudo fosse imediatamente apagado. Mas eles se arrependeram. Não tinham lido uma pequena cláusula no contrato de adesão em que o Facebook se pronunciava como dono e detentor dos direitos autorais de toda e qualquer informação que fosse inserida no site. Podia ser um slogan que o publicitário divulgasse antes de registrar, uma foto amadora vencedora de concurso, um poema pessoal ou uma conversa picante entre um jogador de futebol e sua amante, tudo isso era propriedade do Facebook.Imagem

Houve quem apelasse na justiça e, depois de longa batalha na Suprema Corte Americana, ganhasse o direito de receber um DVD contendo todas as informações que tinha colocado no Facebook e a garantia de que elas seriam deletadas dos servidores. Assim, reunidas, as informações tinham outro peso. As pessoas não percebiam o tanto de detalhes íntimos que disponibilizavam a terceiros.

Uma câmera de segurança na internet aproveitou justamente esse tema para teatralizar o perigo que ronda os desavisados. Foi montada em uma praça uma tenda de um guru espiritualista que iria contar toda a sua vida apenas olhando para seus olhos. Para isso, bastava você se inscrever com dados simples como nome e email, antes da consulta. Durante o trabalho, o sábio tinha níveis impressionantes de acerto. Dizia quem morreu da sua família, a última viagem que você fez, o nome do namorado com quem tinha rompido, quais as características do cão de estimação. Do outro lado da mesa, as reações eram de choque, espanto ou pura emoção.

Mas a surpresa ainda era maior quando caia o pano de fundo e se mostrava 3 especialistas em internet vasculhando toda a vida com os rastros que o cliente deixava no Facebook. Alguns chegavam a dar de bandeja o número de conta no banco. A experiência foi iniciada em Bruxelas, na Bélgica, justamente por um comitê para segurança na internet e pode ser vista no youtube (http://www.youtube.com/watch?v=k1ZfiLZiJd8). Posteriormente, o programa Fantástico da Rede Globo repetiu a montagem em um shopping no Rio de Janeiro, com resultados semelhantes (http://www.youtube.com/watch?v=k1ZfiLZiJd8).

Recentemente, um grupo de estudantes austríacos procurou os tribunais como forma de pressionar o site a proteger a privacidade dos usuários (a notícia pode ser vista aqui http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/grupo-de-estudantes-ira-a-tribunal-para-exigir-privacidade-do-facebook-2). Eles reclamam sobre armazenamento de informações e conseguiram até desativar o recurso de reconhecimento facial, reunidos sob o manto do grupo europe-v-facebook.

Violência sexual

Há mais sobre o Facebook que você não vai ouvir por aí. Sabia que o índice de assédio sexual das programadoras e funcionárias é um dos mais altos, mesmo com a desconfiança de que a maioria absoluta dos casos é sufocada e não vem à tona?

A funcionária n° 51 da empresa, Katherine Losse, resolveu “contar os podres” no livro The Boy Kings: A Journey into the Heart of the Social Network (ainda não editado no Brasil). Ela não era qualquer empregada. Fazia a supervisão da expansão internacional da empresa e, muitas vezes, redigia discursos, comunicados, memorandos e e-mails que seriam assinados pelo próprio Zuckerberg.

Era comum durante o trabalho, garotas receberem mensagens de teor erótico. Alguns programadores enviam a esmo convites para sair. Caso uma garota aceitasse, seria lucro. Enfim, para a ex-funcionária, o Facebook era um clube do bolinha. A vida não era fácil para quem era do sexo feminino. No aniversário de Zuckerberg, garotas foram obrigadas a utilizar camisetas com o rosto dele estampado (neste dia, Losse faltou de propósito ao trabalho)

E isso é desde que a empresa tinha pouco mais de 50 funcionários. Ainda no livro O Efeito Facebook há um relato de uma denúncia de abuso. A jovem procurou o próprio dono para encaminhar a acusação e pedir providências, mas ele não estava interessado em tomar decisões enfáticas e sérias. “Sua abordagem era às vezes tratar como brincadeira coisas que outros levasse à sério”, relata o autor do livro, querendo passar uma imagem de administrador descontraído. A solução dele fora reunir os funcionários para “passar a história a limpo”.

“Um de vocês disse a uma garota: ´quero enfiar meus dentes na sua bunda´” Fez uma pausa. A sala ficou em silêncio. “Então, tipo: o que isso significa?!” Todo mundo riu. Em seguida, o assunto foi colocado de lado.

Com esse rápido deboche, um problema desse nível era resolvido internamente.

CEO do planeta

Sabe qual o site que é considerado pelo Facebook como principal concorrente, ou a rede social que é vista como arqui-inimiga? Nenhum, nenhuma. Internamente, Zuckerberg admite que não tem adversários no mundo virtual. O problema dele é com a vida real. O nerd obriga a busca de soluções que determinem a permanência cada vez maior do usuário conectado, conforme relatado em Bilionários por Acaso, que faz a radiografia completa dos primórdios da corporação. Ele confessou que o segredo do sucesso do site é determinado pelo número de pessoas participantes, mas, sobretudo, pelo tempo que dedicam ao seu brinquedinho. Por isso, o maior investimento do Facebook até hoje continua sendo em servidores para suportar – e gravar – o grande fluxo de informações cruzadas. O orçamento para isso é muito maior do que o de publicidade.

Os servidores também afastam o maior medo do criador: que o Facebook saia do ar, mesmo que por algumas horas. Para ele, isso seria o suicídio, porque representa uma chance de os faces conseguirem começar a perceber o que estão deixando de lado da realidade. A ideia fixa é manter o mais tempo com os olhos grudados em telas.

Os ambiciosos planos de Zuck – que nem completou 30 anos – não são de dominar a internet. São de ser a internet, conforme denunciado pelo especialista Pedro Doria, lá em maio de 2010 http://blogs.estadao.com.br/pedro-doria/2010/05/30/mais-um-capitulo-na-historia-da-megalomania-digital/ . ele pensa que num futuro próximo a rede se confunda com o Face (como se fosse um único e totalitário browser) em que qualquer um usuário precise de conta no seu site para poder navegar pelo ciberespaço.

Agora, o que você faria se um ditador como Hosni Mubarak, do Egito, ou um político como Hugo Chávez, da Venezuela, declarassem abertamente que querem ter o controle completo de uma nação? Você apoiaria e faria campanha, declararia seu carinho, apertaria o botão curtir? E se o totalitarismo fosse em nível mundial? Talvez seja isso mesmo o que represente o simpático cartãozinho de visitas de Mark Zuckerberg, revelado na página 222 de Bilionários por Acaso: “Eu sou o CEO – porra”. Nem mesmo os mais rigorosos tiranos ficaram sem oposição porque sabe-se que qualquer entidade que se propõe com soberania acachapante não pode ser benéfica.

Um dos motivos da saída do brasileiro Eduardo Saverin da empresa que fundou e bancou do próprio bolso nos primeiros meses está documentado no livro Bilionários por Acaso. Questões financeiras e uma grande traição estão no centro da disputa. Mas o que não é divulgado é que grande parte da decepção de Saverin – que nunca foi especialista em programação – está na descoberta de uma superconta usada por programadores para ter acesso a todos os dados de todos os usuários, inclusive, o que se achava sigiloso.

Saverin passou a perceber que muita gente usava o privilégio indevidamente, espionando conversas de ex-namoradas, inimigos. A cena do próprio Zuckerberg checando a vida de uma jovem de quem tinha tomado fora é insinuada no filme A Rede Social. Um dos programadores chegou a confessar para Saverin que depois de saber tanto das intimidades femininas não iria querer se relacionar seriamente com nenhuma delas.

Há suspeitas, inclusive, por parte de pessoas que já tentaram divulgar esse texto no Facebook que, de alguma forma, ele venha sendo rastreado e boicotado. As pessoas dizem que aparentemente os amigos não são informados da publicação e, portanto, as informações terminam sem virar uma corrente.

*depois de muita pesquisa, o autor decidiu que não era nem um pouco saudável abrir uma conta no facebook, por mais inofensiva que parecesse. E continua decidido a se manter assim