OS BAIANOS – Joaquim Barbosa de bandeja

PAULO ANDRÉ BORGES DOS SANTOS, SÃO CAETANO | não é o sósia oficial do ex-ministro Joaquim Barbosa – desses que confundiriam até repórteres experientes da Folha de São Paulo com uma jocosa entrevista e encerrariam entregando o cartão de dublê sob o nome –, mas vibra intimamente quando tem a imagem associada a um expoente negro do judiciário, da política, da sociedade. Gosta mais do que quando era chamado de Xuxa.

Pablo Reis (pabloreis@gmail.com)

Quanto custa um jantar com um ídolo? E, mais ainda, quanto vale ser servido na mesa pelo mito? Esta é a brincadeira informal que Paulo André propõe, sem palavras, para aquele que tateia por uma saída nesse labirinto de estereótipos, também chamado de campo minado dos preconceitos. Não é pelo nome de batismo que ele se apresenta aos frequentadores do Taberna, restaurante vinculado à colônia espanhola na Bahia. Nada de vergonha, o nome real tem até certa pompa, mas é que talvez quebre o gelo na relação garçom-cliente resumir com “andam me chamando ultimamente de Joaquim Barbosa”.

Para dar mais veracidade ao personagem, ele mesmo oferece uma aparição com a toga. Sai de cena por menos de um minuto e, quando volta, já tem a toalha de mesa vermelha repousando sobre os ombros. Eis uma imagem mais jovial do presidente do Supremo Tribunal Federal, a personificação pop do selfmademan que entrou no imaginário da população como materialização da justiça, sobretudo para uma parcela que sequer desconfiava da existência dela, quanto mais incorporada por um negro a peitar poderosos.

Ao contrário da deusa grega Diké, segurando sempre uma balança na mão direita, a nossa versão do magistrado equilibra bandejas com jámon, paella, chouriço, vinho e azeite. Mas a astúcia não está nas mãos, e sim, no humor apimentado por ideologia. E só aos poucos, ao perceber que o apetite do freguês é por tortillas, mas também por opiniões, ele vai soltando suas impressões sobre a vida. “Joaquim Barbosa é um homem retado, mas acho que ele tinha medo de morrer. Quem está no poder poderia querer matar ele, por isso foi saindo de cena”.

Lógico que Paulo André, com 18 anos de serviços prestados ao Taberna, é galego original, proveniente de Moscoso, província da Galícia, mas quando não acreditam ele finge ter nascido em São Caetano, bairro periférico de Salvador, com uma das maiores concentrações de afrodescendentes na capital negra das Américas. Conheceu a esposa há 17 anos no bloco Olodum, tem dois filhos gêmeos de 13 anos e o mais novo de 3 anos, gosta de carnaval, mas passa os 7 dias trabalhando, e só curte o arrastão na quarta-feira de cinzas. Está claro que, não fosse espanhol legítimo, Paulo seria personagem típico de uma saga jorgeamadiana.

Ele, que já foi chamado de Xuxa, em uma típica ironia étnica, driblava o gracejo racista com uma contra-piada: “não é me cartando, mas é porque eu pareço muito com o Luciano Szafir”. Outro dia, flagrou um galego vociferando em mesa de quatro lugares: como era admissível um Carlinhos Brown casar com a filha de Chico Buarque? “E não é gente burra, é quem viaja para Europa e sabe escolher vinho”, espanta-se, achando que alma e intelecto não têm cor. “Aqui no recinto, branca mesmo, só ela”, decreta, apontando para a bela descendente de espanhóis de olhos claros, ao lado do repórter.

A entrada nem bem foi pedida e essa conversa azeitada por reparação social – totalmente fora do cardápio – mascara a ausência de um alho cortado, solicitado pela cliente como ingrediente para esfregar ela mesma no “pan con tomate”, uma forma de couvert catalão. Joaquim Barbosa espanhol de São Caetano finge que o condimento já está a caminho, que ele pediu na cozinha, mas é de uma forma tão espontânea e sincera que não há outra alternativa a não ser acreditar.

E você acreditava que só estava precisando de um pouco de vinho e um polvo à galega, não de uma aula de cidadania bem-humorada, para animar seu dia. Mas quem não aprecia o tempero de uma saborosa surpresa?

 

*publicada originalmente no projeto Humanos de Salvador