Pablo Reis (pabloreis@gmail.com)
No varejo de miudezas deliciosas que se torna a Orla de Salvador em um domingo qualquer, eis que uma cobertura de 2m², na recém-inaugurada Praça da Boca do Rio, vira anfiteatro grandioso para Michel e Emerson. Os dois surgem como uma aparição incongruente ao passeio reto dos carrinhos de bebê sobre o gramado, à translação de pernas e coxas de ciclistas, aos pulos duros e ritmados dos corredores beira-mar.
A dupla se mexe na geometria frenética daquelas pernadas que rotacionam, saltitam, pisam firme em performances de 30 segundos. É exótico e se chama free step, aquele balé de hormônios em ebulição, coreografia da rebeldia com causa, em que sapateiam na face da intolerância.
“É uma coisa inexplicável, assim, se você escutar a batida, o coração dispara… tipo, se você for num show de remix e numa tenda eletrônica e não dançar… é impossível não dançar”, tenta resumir Michel Pinheiro, do alto do seu repertório de 16 anos de idade, de quem cursa o 2º ano do Ensino Médio e aprimora a liberdade da dança depois dos formalismos do colégio.
Emerson Patrick tem 20 anos, dança há quatro, trabalha como vendedor, e só pode treinar aos domingos. “É a batida que comove. Escutou a batida, está dançando”, explica. Trabalha de segunda a sábado, vendendo calçados, inclusive tênis para quem faz free step. “Indico vans, sapatênis, converse. Cano alto também serve”.
Praticantes de free step – para quem não está familiarizado – criaram um modelo de divulgação alternativo midiático. Eles gravam vídeos de suas atuações-relâmpago em frente a escolas, pontos de ônibus, praças, sempre editados com a música progressiva e algumas imagens em slow-motion para que seja possível acompanhar o traçado errático de seus movimentos.
Participam de alguns campeonatos, cujo cobiçado prêmio, às vezes, é receber R$ 250 – em dinheiro vivo! “O auge é ser reconhecido e convidado para eventos em outros estados”, ambiciona Emerson, com aquela avidez de vitória, mas sem desejo de derrota alheia. A impressão, olhando esses jovens, é de que eles não têm adversários, a não ser a si próprios.
Michel aproveitaria a grana de um prêmio para “comprar uns vans, uma máquina fotográfica” e, possivelmente, provar para a família que valeu a pena apoiarem a vontade dele e de irmãos mais novos em ser free stepers.
De longe, e sem o áudio disponível, parece uma cena de libertação, inconformismo. De perto, ouvindo a música e o que ela representa, é a confirmação da impressão inicial. Talvez, esses jovens vejam um coroa beirando os 40 anos, com óculos espelhados incompatíveis com a idade, parado ali querendo saber obviedades e se perguntem o motivo de tanto interesse. Talvez pensem isso. É certo que, do outro lado, o tiozão está mesmo é querendo verbalizar um continuem, aproveitem a juventude, abusem dos seus passos livres, enquanto a vida não chega, impeçam de girar o moinho, detenham ele antes de triturar sonhos, tão mesquinho.