Facebook: tenha medo

(o texto a seguir foi construído com linguagem didática, outra forma de dizer simplória. A única tentativa é fazer os leitores pensarem nas seguintes questões:

– Você se sentiria segura estando seguida e fotografada em um passeio pelo shopping?

– Acharia justo se de repente um desconhecido confiscasse seu álbum de casamento, do nascimento do 1° filho e as fotos do animal de estimação?

– Reagiria bem ao saber que suas ligações telefônicas são todas ouvidas e gravadas?

– Ficaria confortável ao saber que alguém está constantemente monitorando e avaliando seu grau de relação com outras pessoas?

– Acharia correto alguém ganhar muito dinheiro com tudo que você faz, o que pensa e o que gosta, sem repassar nada a você?

Isso está acontecendo contigo e com mais 1 bilhão de pessoas no planeta. Mas ninguém parece ter medo do facebook)

Pablo Reis* (pabloreis@gmail.com)

Você acha que seria razoável embolsar uma quantia por cada vitrine que olhasse? Talvez? Não? Hein… algo impensável, um delírio, fantasia. Mas já tem gente mais esperta que enriqueceu justamente com isso, ganhando dinheiro a cada vez que você se interessa por algum produto, mesmo que não compre. O Facebook recebe cerca de 1 dólar/mês por cada pessoa que “curte” uma página de uma grande empresa. Parece pouco, menos que uma esmola ou trocado para o guardador de carro? E se você sabe que a página Apple tem 6 milhões de curtidores, a Apple Store tem 3,5 milhões e a Apple em língua espanhola tem 1,7 milhão? Vai continuar achando pouco que apenas esta empresa deposite por mês 11 milhões de dólares para os cofres do Facebook, a gigante que, literalmente, vai estar sempre no azul?

A “invenção” não é sequer recente. Desde 2005, isso vem sendo feito. E não é boato, corrente de internet baseada em nada. Está no livro O Efeito Facebook, pág 155. É uma obra bem distante de ser uma biografia não autorizada como Bilionários por Acaso, de Ben Mezrich, que deu origem ao filme A Rede Social. Pelo contrário, o volume traça a trajetória da empresa sempre de forma otimista, dando ares de desbravador heróico a um dos fundadores, Mark Zuckerberg.

Agora, você está se perguntando: e por que eu não ganho nada com isso? Porque a política da empresa é de que o serviço proporcionado ao usuário já é um benefício impagável. O que você tem direito é à “experiência”, enquanto eles extraem formas inovadoras de lucrar com sua participação. Ou, em termos que são usados internamente, a chance de “monetizar” cada clique que você dá. E eles estão sempre aprimorando com novidades, o que, a outros olhos, significa criar mecanismos cada vez mais eficazes de te levar, espontaneamente, a fornecer mais e mais informações sobre si mesmo para alimentar os vorazes bancos de dados.Imagem

Você nunca se perguntou o motivo de empresas serem sugeridas a você regularmente? Algumas realmente combinam com seus hábitos de vida e de consumo? Acredite que não é mera coincidência ou um passe de mágica. Os servidores do Facebook são máquinas programadas para obter e gravar todo tipo de movimentação interna: perfis que você visita, páginas que conhece (mesmo que você não clique em nada e ache que não está deixando rastros). A partir daí, os computadores vão cruzando os dados e obtendo um raio-X tão mais completo quanto mais você usa o sistema.

Ah, mas você já sabia disso tudo? Tudo bem, só que certamente nunca foi informado que eles continuam te espionando mesmo quando você deixou (#partiu/ logoff) as páginas azulzinhas. Teoria da conspiração? De forma alguma, o procedimento é todo detalhado na página 156 do mesmo livro O Efeito Facebook. Ele fica um pouco disfarçado com o nome “cookie”, mas não tem nada de doce ou inofensivo, como sugere.

Pequenas peças de software chamadas ´cookies´ são instaladas nos navegadores dos consumidores que usam a internet. Elas podem saber, por exemplo, que uma pessoa tem visitado os tipos de site que uma garota de 20 anos de idade visitaria ou que comprou música pop online.

A tática começou a ser usada no site por volta de 2005, quando o Facebook foi bem remunerado pela gravadora Interscope Records para divulgar a música Hollaback Girl para um segmento muito específico de animadoras de torcida de futebol americano nos Estados Unidos. O site tinha muitos dados sobre os gostos e comportamentos de algumas centenas, talvez milhares, de cheerleaders. A canção foi oferecida a elas de uma forma sutil, como se as jovens a tivessem encontrado aleatoriamente e não do jeito que realmente aconteceu: uma ação de marketing que praticamente impunha um novo sucesso na praça. A estratégia se mostrou muito bem sucedida e, em pouco tempo, a carreira solo da cantora Gwen Stefani, autora do single, deslanchou.

Tudo gravado

Agora, e no mundo real, se todos os seus passos em shopping center, as lojas que visitou, quanto gastou, com quem estava, o que comeu, fossem monitorados e vendidos para qualquer pessoa disposta a pagar, o que você acharia? Se sentiria seguro? Voltaria naquele shopping? Processaria por invasão de privacidade? Acharia que as coisas estão realmente estranhas, como George Orwell previu com o Grande Irmão?

Isso está acontecendo diariamente só que mesmo assim ninguém parece ter medo do Facebook. Algumas pessoas, muito poucas em comparação ao bilhão de usuários que é sempre divulgado, já pensaram nisso antes de mim e de você. Elas ficaram muito preocupadas quando alcançaram essa linha de raciocínio. Imediatamente, alguns resolveram cancelar suas contas, achando que apagariam aquele esboço de biografia privada que deixaram de mão beijada para nerds de internet que eles nunca veriam pessoalmente. Um grupo menor ainda do que esse, depois de um tempo, desistiu mas resolveu voltar. Os integrantes deste conjunto se surpreenderam ao ver que o login e a senha ainda funcionavam, mesmo depois de um ano, e – mais impressionante – todas as informações, fotos, comentários, permaneciam por lá (mesmo que não pudessem ser vistos pelo público).

Houve quem exigisse que tudo fosse imediatamente apagado. Mas eles se arrependeram. Não tinham lido uma pequena cláusula no contrato de adesão em que o Facebook se pronunciava como dono e detentor dos direitos autorais de toda e qualquer informação que fosse inserida no site. Podia ser um slogan que o publicitário divulgasse antes de registrar, uma foto amadora vencedora de concurso, um poema pessoal ou uma conversa picante entre um jogador de futebol e sua amante, tudo isso era propriedade do Facebook.Imagem

Houve quem apelasse na justiça e, depois de longa batalha na Suprema Corte Americana, ganhasse o direito de receber um DVD contendo todas as informações que tinha colocado no Facebook e a garantia de que elas seriam deletadas dos servidores. Assim, reunidas, as informações tinham outro peso. As pessoas não percebiam o tanto de detalhes íntimos que disponibilizavam a terceiros.

Uma câmera de segurança na internet aproveitou justamente esse tema para teatralizar o perigo que ronda os desavisados. Foi montada em uma praça uma tenda de um guru espiritualista que iria contar toda a sua vida apenas olhando para seus olhos. Para isso, bastava você se inscrever com dados simples como nome e email, antes da consulta. Durante o trabalho, o sábio tinha níveis impressionantes de acerto. Dizia quem morreu da sua família, a última viagem que você fez, o nome do namorado com quem tinha rompido, quais as características do cão de estimação. Do outro lado da mesa, as reações eram de choque, espanto ou pura emoção.

Mas a surpresa ainda era maior quando caia o pano de fundo e se mostrava 3 especialistas em internet vasculhando toda a vida com os rastros que o cliente deixava no Facebook. Alguns chegavam a dar de bandeja o número de conta no banco. A experiência foi iniciada em Bruxelas, na Bélgica, justamente por um comitê para segurança na internet e pode ser vista no youtube (http://www.youtube.com/watch?v=k1ZfiLZiJd8). Posteriormente, o programa Fantástico da Rede Globo repetiu a montagem em um shopping no Rio de Janeiro, com resultados semelhantes (http://www.youtube.com/watch?v=k1ZfiLZiJd8).

Recentemente, um grupo de estudantes austríacos procurou os tribunais como forma de pressionar o site a proteger a privacidade dos usuários (a notícia pode ser vista aqui http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/grupo-de-estudantes-ira-a-tribunal-para-exigir-privacidade-do-facebook-2). Eles reclamam sobre armazenamento de informações e conseguiram até desativar o recurso de reconhecimento facial, reunidos sob o manto do grupo europe-v-facebook.

Violência sexual

Há mais sobre o Facebook que você não vai ouvir por aí. Sabia que o índice de assédio sexual das programadoras e funcionárias é um dos mais altos, mesmo com a desconfiança de que a maioria absoluta dos casos é sufocada e não vem à tona?

A funcionária n° 51 da empresa, Katherine Losse, resolveu “contar os podres” no livro The Boy Kings: A Journey into the Heart of the Social Network (ainda não editado no Brasil). Ela não era qualquer empregada. Fazia a supervisão da expansão internacional da empresa e, muitas vezes, redigia discursos, comunicados, memorandos e e-mails que seriam assinados pelo próprio Zuckerberg.

Era comum durante o trabalho, garotas receberem mensagens de teor erótico. Alguns programadores enviam a esmo convites para sair. Caso uma garota aceitasse, seria lucro. Enfim, para a ex-funcionária, o Facebook era um clube do bolinha. A vida não era fácil para quem era do sexo feminino. No aniversário de Zuckerberg, garotas foram obrigadas a utilizar camisetas com o rosto dele estampado (neste dia, Losse faltou de propósito ao trabalho)

E isso é desde que a empresa tinha pouco mais de 50 funcionários. Ainda no livro O Efeito Facebook há um relato de uma denúncia de abuso. A jovem procurou o próprio dono para encaminhar a acusação e pedir providências, mas ele não estava interessado em tomar decisões enfáticas e sérias. “Sua abordagem era às vezes tratar como brincadeira coisas que outros levasse à sério”, relata o autor do livro, querendo passar uma imagem de administrador descontraído. A solução dele fora reunir os funcionários para “passar a história a limpo”.

“Um de vocês disse a uma garota: ´quero enfiar meus dentes na sua bunda´” Fez uma pausa. A sala ficou em silêncio. “Então, tipo: o que isso significa?!” Todo mundo riu. Em seguida, o assunto foi colocado de lado.

Com esse rápido deboche, um problema desse nível era resolvido internamente.

CEO do planeta

Sabe qual o site que é considerado pelo Facebook como principal concorrente, ou a rede social que é vista como arqui-inimiga? Nenhum, nenhuma. Internamente, Zuckerberg admite que não tem adversários no mundo virtual. O problema dele é com a vida real. O nerd obriga a busca de soluções que determinem a permanência cada vez maior do usuário conectado, conforme relatado em Bilionários por Acaso, que faz a radiografia completa dos primórdios da corporação. Ele confessou que o segredo do sucesso do site é determinado pelo número de pessoas participantes, mas, sobretudo, pelo tempo que dedicam ao seu brinquedinho. Por isso, o maior investimento do Facebook até hoje continua sendo em servidores para suportar – e gravar – o grande fluxo de informações cruzadas. O orçamento para isso é muito maior do que o de publicidade.

Os servidores também afastam o maior medo do criador: que o Facebook saia do ar, mesmo que por algumas horas. Para ele, isso seria o suicídio, porque representa uma chance de os faces conseguirem começar a perceber o que estão deixando de lado da realidade. A ideia fixa é manter o mais tempo com os olhos grudados em telas.

Os ambiciosos planos de Zuck – que nem completou 30 anos – não são de dominar a internet. São de ser a internet, conforme denunciado pelo especialista Pedro Doria, lá em maio de 2010 http://blogs.estadao.com.br/pedro-doria/2010/05/30/mais-um-capitulo-na-historia-da-megalomania-digital/ . ele pensa que num futuro próximo a rede se confunda com o Face (como se fosse um único e totalitário browser) em que qualquer um usuário precise de conta no seu site para poder navegar pelo ciberespaço.

Agora, o que você faria se um ditador como Hosni Mubarak, do Egito, ou um político como Hugo Chávez, da Venezuela, declarassem abertamente que querem ter o controle completo de uma nação? Você apoiaria e faria campanha, declararia seu carinho, apertaria o botão curtir? E se o totalitarismo fosse em nível mundial? Talvez seja isso mesmo o que represente o simpático cartãozinho de visitas de Mark Zuckerberg, revelado na página 222 de Bilionários por Acaso: “Eu sou o CEO – porra”. Nem mesmo os mais rigorosos tiranos ficaram sem oposição porque sabe-se que qualquer entidade que se propõe com soberania acachapante não pode ser benéfica.

Um dos motivos da saída do brasileiro Eduardo Saverin da empresa que fundou e bancou do próprio bolso nos primeiros meses está documentado no livro Bilionários por Acaso. Questões financeiras e uma grande traição estão no centro da disputa. Mas o que não é divulgado é que grande parte da decepção de Saverin – que nunca foi especialista em programação – está na descoberta de uma superconta usada por programadores para ter acesso a todos os dados de todos os usuários, inclusive, o que se achava sigiloso.

Saverin passou a perceber que muita gente usava o privilégio indevidamente, espionando conversas de ex-namoradas, inimigos. A cena do próprio Zuckerberg checando a vida de uma jovem de quem tinha tomado fora é insinuada no filme A Rede Social. Um dos programadores chegou a confessar para Saverin que depois de saber tanto das intimidades femininas não iria querer se relacionar seriamente com nenhuma delas.

Há suspeitas, inclusive, por parte de pessoas que já tentaram divulgar esse texto no Facebook que, de alguma forma, ele venha sendo rastreado e boicotado. As pessoas dizem que aparentemente os amigos não são informados da publicação e, portanto, as informações terminam sem virar uma corrente.

*depois de muita pesquisa, o autor decidiu que não era nem um pouco saudável abrir uma conta no facebook, por mais inofensiva que parecesse. E continua decidido a se manter assim

Facebook: dois cliques de solidão

Como o fenômeno de redes sociais pode estar mascarando um incômodo da modernidade e servindo como paliativo para o distanciamento dos seres humanos

Pablo Reis

(pabloreis@gmail.com)  

Jesus Cristo ainda demoraria 350 anos para nascer em uma manjedoura quando Aristóteles, o grego, discípulo de Platão, já sugeria que amizades se formam com tempo e intimidade: “não podem se conhecer sem que se tenham comido juntos a quantidade necessária de sal”. Na época do fenômeno chamado redes sociais, amizades iniciam e se desfazem sob um estalar de dedos, um sutil crepitar de um clique. Se isso pode não valer para a totalidade dos usuários, pelo menos serve como bom ponto de ponderações a respeito de uma maioria que observa em um recurso tecnológico uma oportunidade – talvez a única – de suprir carências, preencher lacunas emocionais, vencer o fosso da reclusão de egos feridos.

Se já é um consenso entre áreas de conhecimentos distintas, como psicologia, antropologia, publicidade, música e ditados populares que solidão não é o oposto de companhia  – e frases como ´sozinho no meio da multidão´ ganham o status de clichê, afirmar que a conectividade em redes sociais é um sintoma de solidão não aparenta sequer uma afirmação de ousadia intelectual.

O antropólogo americano Robert Weiss dizia que a solidão pode ser justamente dividida em social e emocional. A primeira é o “sentimento de tédio e marginalidade causado por falta de amizades ou de sentimento de pertencer a uma comunidade”. Já a solidão emocional é o “sentimento de vazio e inquietação causados pela falta de relacionamentos profundos”. O primeiro tema parece estar coberto em uma vastidão de códigos de programação e mais de 800 milhões de corações potencialmente unidos pela teia de contatos, mensagens instantâneas e comentários banais. O perigo está justamente na superficialidade, na lacuna de aprofundamento.

Solidão interativa é o nome do processo que o sociólogo francês Dominique Wolton dá ao momento atual que os entusiastas gostam de chamar de aldeia global, pós-modernidade. Para ele, a internet dá uma possibilidade maior das pessoas ficarem sozinhas, mascarando o isolamento (muitas vezes, voluntário) com ferramentas que aparentam favorecer a comunicabilidade. Wolton rejeita o conceito de comunicação, nesse caso. Ele acredita que há uma erupção de informações, mas que isso não se configura propriamente o diálogo. Ao invés de comungarem de uma troca de experiências, os seres humanos estão reproduzindo um padrão de troca de solidões.

Angústia do abandono

A internet parece ser o campo com acesso mais rápido e fácil para um território propício a aparente minimização da chaga que é a angústia do sentimento de abandono. Para isso, se torna um outdoor de intimidades, um bazar de frustrações, gracejos, indiscrições, comentários de mau gosto, rebeldias, grosserias, piadas internas, sub-revoluções. O pior, tudo em exagero, tudo em over, que termina esvaziando o sentido prático dos enunciados. Não há mergulhos em direção ao que é essencial, a comunicação fica anêmica como letra de Luan Santana. Pairando na superfície, sem imergir para a profundidade, todo o conteúdo da solidão.

“A solidão é uma condição psicológica caracterizada por uma profunda sensação de vazio”, define John Cacciopo, considerado um dos mais influentes psicólogos dos Estados Unidos justamente por estudar a fundo a solidão, seus sintomas e consequências. A proximidade dele com o tema levou a uma impressão particularmente otimista sobre esse fantasma que parece incomodar tanta gente. Cacciopo é do time que considera que metade deste sentimento vem de uma herança genética e a outra do contexto. Ele vai mais além, ao enxergar um movimento positivo justamente na atitude de tentar sair da solidão. Veja bem, até para o entusiasmado Cacciopo a solidão não é boa, mas sim a motivação para fugir dela.

O estudo dele sobre o impacto de redes sociais chega à conclusão de que se a utilização do site for feita para reforçar relações reais o impacto é positivo. A pergunta é se há alguém agindo dessa forma, se existe alguém usando o face para fortificar um contato já iniciado offline. Sim, existe, mas este segmento é tão minoritário em quantidade e tão obscurecido pelas filigranas da insensatez dominante que vira exceção. E aqui quero tratar é sobre a regra.

Qual a intensificação de um relacionamento ao publicar fotos em superclose de um auto-retrato ao acordar com direito a olhos inchados e tranças em dreadlocks? Ou reproduzir máximas como “me chama de Receita Federal e se declara pra mim”? (São exemplos reais que ficam disponíveis para qualquer um acompanhar, expostos como se fossem troféus, em que o paralelo na “vida real” seria alguém imprimindo e fixando com tachinhas cor de abóbora no mural do condomínio).

Plataforma para a notoriedade

Tudo isso é mais do que uma vitrine de banalidades. Para além dessa empreitada, esconde-se – ou se expõe – a perseguição a um status de liderança ou a reclamação a um suposto direito moderno à visibilidade ampla e irrestrita. Há um jogo de protagonismo social em andamento com pontos medidos em um placar de popularidade, feito a princípio pelo número de amigos (em um campeonato de sociabilidade), mas sobretudo pelo número de curtir que aparecem abaixo de frases e fotos, atestando valor, inflacionando o grau de sucesso que deverá ter a próxima iniciativa. Pessoas passam a ser examinadas e qualificadas de acordo com um escore de influência, um acordo velado por toda a comunidade. Adiante, será visto quão frágil pode ser esta avaliação.

Quanto valeria um clique na vida offline?

Neste ponto, reside a primeira expectativa de cura do sintoma solidão. Cada ato e atitude precisa ser validado no reconhecimento alheio, como o substituto tardio de uma carícia essencial. Homens e mulheres passam a construir uma personalidade lateral – com o sugestivo nome de perfil – que vai sendo moldada não mais por neuroses, psicoses, perversões (de Freud), complexos (de Jung), ou couraças vegetativas (de Wilhelm Reich). É uma estrutura que fica alicerçada por comentários, respostas, aprovações e reproduções de frases.

Perceber que a construção desta identidade digital extra ocorre a partir da aceitação no ambiente da rede social é como propor que um edifício seja construído pelo acúmulo de formas geométricas de uma animação eletrônica. Um condomínio inteiro formado por combos de Tetris. Falta robustez por causa da facilidade em oferecer um clique de presente, método que dispensa maiores investimentos empáticos. Usando a etimologia para dar a melhor definição, in = para dentro e pathos = sentimento, tem o sentido de ser levado ao lugar do outro, um movimento que exige dedicação, solidariedade, por que não dizer, legítimo interesse pessoal. Ser empático com alguém é quase um sinônimo de inteireza, de doação em plenitude. Nada disso, infelizmente, parece ser retratado no indolor e insípido clique que faz a alegria de muitos.

Basta questionar a qualquer um o grau de esforço para agradar, para concordar com um pensamento alheio, quando ele vem sublinhado na tela, e perceber que a dedicação é mínima, diferentemente do que seria empregado no cotidiano tradicional. Investir em um sorriso, um aplauso ou um elogio é mais pessoal e compromissado do que um simples movimento de mouse. No facebook, uma metonímia serve para dar um ar mais solene a procedimentos banais – os polegares, assim como no coliseu romano, podem fazer a diferença entre a vida e a morte.

O jornalista e escritor português Miguel Sousa Tavares é um dos principais pensadores e questionadores em Língua Portuguesa. Seu romance de estréia, Equador, passeia entre ficção e realidade, em uma narrativa inebriante que retrata os últimos anos da monarquia portuguesa, no início do século XX. É um talentoso apreciador de personas e hábil ao montar os caracteres de suas histórias. Aos 60 anos, declarou, não se sabe para iniciar uma polêmica farta ou por convicção catastrófica, que o facebook seria “a ameaça do século”, onde quase desconhecidos passam a ser tratados como amigos em um ambiente virtual, mas podem voltar a ser quase desconhecidos na realidade.

Rompe-se a hierarquização de informações de acordo com círculos de proximidade. Na maioria dos casos, todos os contatos (chamados de amigos) têm acesso a toda a informação, nivelados em parâmetros semelhantes, sem diferenciações tradicionais, como intimidade e tempo de convívio. Um comentário prosaico que cabe em uma mesa de jantar termina sendo direcionado a um primo, um chefe e até o zelador do prédio que estão em uma mesma seta de conversa. É como imaginar que você dirige um carro rumo a uma viagem de férias, conduzindo sua terapeuta, seu padrinho e o instalador da TV a cabo (grupo tão heterogêneo), todos compartilhando das mesmas anedotas.

Querido face

O melhor amigo do homem?

Outro registro que pode estar associado a uma solidão endêmica é fazer a apropriação de recursos tecnológicos como elemento afetivo. A abreviação mais comum, conhecida como ‘face’, pode ser considerada uma nomenclatura carinhosa e, por si, um indicativo da urgência de familiarização com o produto. Neste ponto, a abordagem funciona como um código para diferenciar círculos distintos de clientes (supostamente, quem chama facebook estabelece certo distanciamento, enquanto os utilizadores do face reivindicam intimidade). Na síntese, há um processo de personificação do objeto. O face ganha contornos de ente querido.

Em uma remissão aos contos de fadas, às fábulas, seres inanimados ganham vida com o sopro divino ou com o desejo humano acompanhado da ação (o expoente maior seria Pinóquio, transmutado da madeira para carne, osso, sangue e desejos por um amor profundo do Criador). No caso de nosso estudo, o objeto sem vida (o Face) é o que parece animar os humanos, na completa inversão do sentido original dos mitos da criação. O homem deixa de ser sujeito para se tornar subjugado. Algumas frases marcam esta mudança paradigmática, como “não sei mais viver sem meu face”.

O ambiente virtual passa a fazer parte indissociável de vidas e até nortear biografias. O que dizer de alguém que divulga 25 fotos do parto, em um frame a frame cheio de sangues, gazes, camadas de gordura e placenta, tripas, tesouras e uma bebê coberta de gelatina cinza com cara amassada? Tudo isso para qualquer espectador que chegue até o álbum da princesinha, aberto e entregue para os olhares ávidos de extravagâncias e/ou bizarrices. Alguém há mais de reivindicar, depois disso, o título de exposição visceral?

A doença se revela em sintomas como aumento do stress e da ansiedade. Isso pode explicar uma estatística da empresa de que a média mundial de utilização chega a mais de 6 horas por dia de cada usuário (no Brasil, em um ano, houve aumento de 28 minutos para 2 horas e 24 minutos por dia). Será, realmente, que alguém colocaria seu perfil do face no fogo para dizer que passar um terço do dia útil relatando o que acontece nos outros dois terços é um sintoma de saúde psíquica, e não o oposto? Mas como o elemento apaziguador pode estar facilmente à mão, sem ilegalidades ou intermediários, não fica configurado o vício tradicional das drogas, tão condenado socialmente.

Americanos já são diagnosticados com “fadiga facebook”

Uma ansiedade de ficar sempre plugado para sufocar a impressão de que se está perdendo algo. Décadas atrás, não se podia perder alguma coisa interessante ou, para entrar em uma tautologia, não se podia perder o que era imperdível. Agora, não se sabe responder mais à pergunta: na internet, o que é imperdível?

O doutor em filosofia e articulista do jornal Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé, que mantém uma conta no facebook, tem uma opinião crítica, que chega ao limite do sarcasmo. Para tratar com muito boa vontade a forma como ele adjetiva o fenômeno “redes sociais”, pode-se dizer que é uma “absurda bobagem”. Ele considera uma usina de frivolidades, com frases como “eu vou ao banheiro”, “vomitei”, que “expõe de forma obscena o fato de que gostamos de falar mal dos outros”. Ao retirar o que ele chama de histeria típica quando o assunto é rede social sobra apenas uma tentativa de fugir da monotonia com uma avalanche de banalidades da espécie.

Vale reproduzir um texto da editora da revista Época online, Letícia Sorg, que aparentemente por um acaso teve um insight sobre o turbilhão a que os seduzidos pelo face são tragados e não percebem:

Neste fim de semana tomei um susto ao olhar a caixa de e-mail. O Facebook tinha me escrito.

“Olá, Letícia, você não acessou o Facebook nos últimos dias; várias coisas aconteceram na sua ausência.”

De fato. Vários amigos – muito ou nada próximos – dividiram seus pensamentos, suas atividades, suas fotos. Suas alegrias, tristezas, reclamações. Seus gostos e desgostos. E eu não estava lá para ler.

Pensei: “Que bom”. Cogitei até responder à mensagem automática: “Olá, Facebook, várias coisas aconteceram na minha vida na sua ausência.”

Ficar um pouco consigo mesmo, lendo, refletindo, meditando, numa fila de cinema, na sala de espera do dentista, não significa, necessariamente, solidão. Só que este é um assunto que vale ponderações futuras. A questão é perceber se a massa de usuários (hoje, 800 milhões, em breve 1 bilhão) está realmente criando novas demandas de existência ou simplesmente tentando evitar esses cruciais instantes de auto-encontro.

Quando você perceber que alguma pessoa próxima está dedicando tempo demais ao Facebook, no computador, no celular, provavelmente fugindo daquele reflexivo momento que pode ser estar consigo mesmo, não se considere o estranho, o deslocado. Provavelmente, você ainda está suficientemente absorto pelas coisas reais para se enlevar por um canto de sereia ilustrado em moldura azul (não à toa uma cor com efeitos neutralizantes e anestésicos, que pode ter resultados hipnóticos no sistema nervoso central). E nisso, com certeza, você não vai estar só.